Escute esse texto aqui.
Eu a buscava entre as xícaras de café e as noites mal dormidas. Talvez estivesse presente nas olheiras ou no cabelo bagunçado. Quem sabe entre os risos forçados ou sob as unhas desgastadas. Eu tentava entender em qual lugar ela havia se enfiado, justo quando eu mais precisava.
Eu a buscava entre as xícaras de café e as noites mal dormidas. Talvez estivesse presente nas olheiras ou no cabelo bagunçado. Quem sabe entre os risos forçados ou sob as unhas desgastadas. Eu tentava entender em qual lugar ela havia se enfiado, justo quando eu mais precisava.
Esticava os braços tentando alcança-la nas
prateleiras do meu interior, mas sabia que ela se esconderia atrás dos grandes
potes de sorvetes recheados de feijão, rindo das minhas expressões repletas de
falsidade. Desamparada, desesperada ou simplesmente decepcionada?
Onde está a minha barra de chocolate? O meu
sorvete de flocos? O meu frozen yogurt cheio de frutas e gummy bears coloridos?
Eu piscava cada vez mais forte para acordar
e fugir desse pesadelo, mas ela não estava ali para me ajudar. Decidiu observar
com um balde de pipoca no colo como se dissesse: “Te vira minha filha, estarei
de férias por um bom tempo”.
Eu, tonta, insistia em buscá-la ao invés de
tentar resolver tudo sozinha. Perdia meu tempo tentando resgatar uma parte de
mim que assistia, burrada atrás burrada, de camarote. Já podia imaginá-la,
vestido longo com um grande decote em V e, na mão, uma taça de vidro com suco
de uva, fingindo tomar do mais fino vinho. Uma vadia fria e egoísta.
Eu repetia a mim mesma que não precisava de
sua existência, mas sentia o borbulhar em seus olhos e o veneno escorria por
minha boca sem que eu ao menos percebesse. As pessoas se afastaram, não
entendendo o que a santa com língua de víbora faria a seguir. Isolamento foi o
que iniciou tudo isso e eu insistia em voltar para ele, quase como uma casa
aconchegante que sempre estaria de portas abertas para mim. Quem sabe assim, eu
pouparia os outros do que tinha que carregar sozinha.
A vadia se remexia na cadeira da ala VIP,
queria ver o circo pegar fogo, mas fugia no instante em que as chamas se
descontrolavam e tentava compensar com rios de lágrimas que eu não era capaz de
controlar ou sequer entender. Era a bruxa adormecida, parte do meu sexto
sentido que resolveu esconder-se na escuridão.
Buscava por ela uma e outra vez, ignorando
as gotas salgadas que me havia dado de presente, mais e mais portas se
fechavam, fazendo com que fosse difícil de alcança-la. Sua fortaleza estava em
constante construção, desde o dia em que me vi sozinha e percebi que era
diferente dos demais. As portas, que antes eram de plástico colorido, agora
eram grandes portões de ferro que rangiam só para causar medo em quem se
aproximasse.
Estiquei o braço diante daquela porta e
apoiei os dedos sobre o leitor de digitais, afinal, eu ainda era eu. Os grandes
portões se abriram, ela não poderia mais se esconder atrás dos potes de sobra,
e suas férias estavam com os dias contados. Enfim eu encontrei o que tanto
buscava dentro do meu próprio ser, a vadia não passava de um gatinho assustado
vestindo a pele de uma víbora venenosa, o que significava que eu teria que
aprender a lidar com os problemas sozinha para que o gatinho não rasgasse a
própria pele.