A viagem que mudou tudo.

11.8.19



Minhas mãos estavam trêmulas, era a primeira vez que isso acontecia ao entrar em um avião. Uma sensação estranha no meu peito dizia que algo estava mal, um puxão como se quisessem tirar parte do meu peito para fora do corpo. Minha respiração acelerou ao passar pela aeromoça que estava parada no corredor principal do avião, parecia que essa seria a última viagem da minha vida, o que era muito estranho, já que eu tinha que voltar em menos de duas horas quando chegasse ao meu destino.


Sacudi a cabeça espantando qualquer pensamento estranho ou preocupante, isso não me levaria a lugar nenhum.

Classe econômica cheia, assim como o meu peito a ponto de explodir.

Não era adrenalina, não era nervosismo. Eu não fazia a menor ideia do que poderia ser.

Algo no céu estava errado, não era um bom dia para voar, minhas células sabiam, mas eu ignorei. Tinha que voar hoje, se não meu chefe me mataria.

Coloquei minha bolsa de mão no compartimento acima da poltrona e sorri para uma mulher antes de me sentar ao seu lado, estaria ali por pelo menos cinco horas. Pedi uma água para a aeromoça, talvez isso acalmasse os meus batimentos cardíacos.

Liguei a televisão procurando por algum canal de comédia, mas não havia nada interessante, peguei o manual de segurança que estava guardado na redinha da parte de trás do banco da frente. Isso me acalmaria um pouco.

Fechei os olhos com o sangue quente correndo pelas minhas veias, o suor frio caía pela minha testa como pequenos cubos de gelo que arrepiavam a minha espinha.

— Nervosismo de primeiro voo? — Abri os olhos e agora havia um homem sentado quase do meu lado, o corredor era o único que nos separava.

— Não — respondi, levantando uma sobrancelha.

— Que engraçado, nunca vi ninguém segurar um manual de segurança como se fosse a bíblia.

— Qualquer leitura é sagrada.

Voltei a concentrar-me na televisão, mas não havia nenhum sinal dos melhores canais que eu acompanhava. O homem continuava me olhando, não com segundas intenções, mas sim interessado no que eu fazia.

— Aliás — falou como se ainda estivéssemos em uma conversa. —, meu nome é Carlos.

Não respondi, tinha muito na minha cabeça para me preocupar com fazer amizades no avião. Essa era uma viagem de negócios e eu provavelmente nunca o veria novamente. Talvez deveria ter fingido que não falava português. Guten tag mermão.

— Geralmente as pessoas se apresentam, falam o nome, se é que a senhorita tem nome. Talvez você seja uma viajante do tempo com um codinome, The Mistress!

Revirei os olhos, tentando conter um sorriso que escapava pelos meus lábios. Não posso acreditar que esse estranho acabou de fazer uma referência sobre a minha séria favorita.

— Talvez você seja um alienígena e eu decidi deixar você em paz, mas é só por hoje. — Sorri ironicamente, talvez assim ele possa esquecer da minha existência.

— Muito boa a referência, madame. Deixarei a mestra descansar e ler o manual, quem sabe você possa encontrar códigos secretos. — Piscou para mim e ajustou o cinto de segurança quando a aeromoça passou avisando que decolaríamos em poucos minutos.

Voltei a minha atenção para a televisão, mas às vezes o observava de canto de olho. Parecia ser uma pessoa divertida e com quem eu sairia para tomar uma cerveja qualquer dia desses, só que essa é uma viagem e as pessoas de voo costumam não durar muito em nossas vidas.

Pisquei por dois segundos e logo me vi tropeçar com ele no corredor ao caminho do banheiro. O sorriso gentil ao me pedir desculpas teve um efeito muito estranho em mim, mas ignorei tudo aquilo que sentia. Meu corpo inteiro reagia a ele e não mais para o voo, as bochechas rosadas não mentiam.

 O problema de tudo é que agora o meu estômago me dizia que algo estava mal, aquela sensação de vazio preocupante que sobe pela garganta e desce outra vez. Eu me sentei na cadeira e decidi dormir.

Dessa vez, quando abri os olhos, estava na primeira-classe junto com ele em um bar. Não fazia a menor ideia de como havia parado ali, mas dentro de tudo o que estava sentindo, era o único que parecia certo e as pessoas não queriam expulsar a gente de lá, o que era um ponto positivo para dois infiltrados da classe econômica.

— Então, o que acha? — perguntou com um sorriso convencido, dessa vez eram seus olhos que haviam captado a minha atenção, eram tão brilhantes. Só que esse lugar não fazia sentido.

— Bem impressionante, mais impressionante ainda seria saber como vim para aqui. — Ele entortou a cabeça para a direita sem entender as minhas palavras.

— Você não se lembra? — Se aproximou tentando segurar em minhas mãos, mas não o deixei, era um completo desconhecido... eu acho.

Sacudi a cabeça e imagens invadiram a minha cabeça em uma avalanche que não podia controlar. Nós dois juntos saindo de um voo, trocando números, outras viagens, risadas, jantares, beijos, uma casa, uma viagem em primeira classe. Nós, juntos.

Olhei para a minha mão e lá estava um anel de ouro brilhante no meu anelar esquerdo. Quanto tempo havia passado? O lugar em que estava girou uma e outra vez, minhas pernas se transformaram em duas gelatinas e ele me segurou antes que caísse no chão.

Carlos continuava sendo a única coisa certa naquele lugar. Meu peito acelerou outra vez, era como se uma grande bola estivesse presa na minha garganta e eu não pudesse respirar, abria a boca procurando por algum rastro de ar que pudesse encher os meus pulmões.

Agarrei forte em sua camisa branca pedindo ajuda, as palavras não saíam, minhas cordas vocais não funcionavam.

Ele me levou até umas aeromoças que me deram água e um remédio, não demorou muito para que eu voltasse ao normal. Carlos me abraçou e o senti tão familiar, meu coração aqueceu e seu toque me acalmava. O mesmo sorriso estava ali e uma parte de mim dizia que aquele era o meu favorito. Seus braços ao redor da minha cintura eram de verdade e o anel que pesava no meu dedo também.

Sentei na poltrona confortável da primeira classe, meu corpo estava cansado. Apesar de ter tomado um copo cheio de água, a sentia seca como o deserto, braços muito pesados para segurar qualquer coisa, as pernas já não podiam sustentar-me. Fechei os olhos com medo do que poderia ver quando os abrisse.

Um som infernal tomou conta dos meus ouvidos, uma pressão capaz de estourar os tímpanos de qualquer um, gritos de mulheres desesperadas, sons que eu não conseguia relacionar com nada. Não queria abrir os olhos, meus cabelos voavam para cima, o ar escapava pelos meus pulmões, não podia ser verdade, não queria que fosse.

Alguém ao fundo gritava “máscara de gás”, outros diziam “como se coloca isso?”, eu não queria, talvez se fechasse e abrisse novamente, pudesse aparecer em outro lugar.

Abri os olhos. Era pior do que pensava.

Estava na classe econômica. Com uma mão Carlos segurava a minha e com a outra segurava firme a máscara sobre o seu rosto. Eu fazia o mesmo. Encarei seus olhos com medo, não queria morrer.

O avião perdia altitude muito rápido, meu coração batia tão rápido que eu já não o sentia. Estava atônita, sem reação. Esse era o meu fim.

Será que havíamos sido felizes o suficiente? Apertei sua mão e mais memórias de nós vieram à minha mente, momentos felizes, havia sido muito bom, mais do que deveria.

Meus olhos já fechavam sozinhos, não havia mais oxigênio, minha cabeça parecia que explodiria a qualquer momento. Carlos não soltava a minha mão de jeito nenhum. Até que vi o pior, prédios se aproximavam do avião em uma velocidade inumana, ou melhor, éramos nós que nos chocaríamos contra os prédios em alta velocidade.

Fechei os olhos sem saber exatamente onde pararia dessa vez.

Escuridão e silêncio, parecia que não havia vida ao meu redor. Logo, escutei uma respiração que não era a minha, senti os movimentos calmos do meu peito, mexi de leve um dedo ou outro e para a minha surpresa a superfície que havia encontrado era a de outra pessoa. Também pude escutar um "bip" muito irritante que tocava sempre no mesmo ritmo.

— Diana? — Escutei a voz de Carlos, estava um pouco rouca, como se estivesse um pouco resfriado. — Diana! — falou um pouco mais surpreso e sua mão, que segurava a minha tão firme, se afastou. Escutei um som de algum aparelho, como um walkie-tolkie — Doutor! Doutor! Ela está acordando!

Acordando?

Então uma voz, um tanto robótica, respondeu que já viria até o quarto.

Tentei abrir os olhos, mas as minhas pálpebras pesavam cinquenta quilos. Minha boca estava mais seca que a bunda de um camelo. O que havia acontecido? Foi o acidente de avião? Sobrevivemos?

— Amor, você está aí?

— Eu... — Minha voz saiu por um fio, minhas cordas vocais reclamaram, eu precisava de água e muita.

Finalmente consegui abrir os olhos e lá estava Carlos com os cabelos bagunçados e olheiras gigantes.

— O que aconteceu? — Consegui falar uma vez que ele me deu um pouco de água que estava sobre a escrivaninha do quarto onde haviam outras coisas como roupas e produtos de higiene.

— Um acidente de carro, você estava indo para o aeroporto, mas nunca embarcou. Quando cheguei a São Paulo você já estava em coma.

— Então eu nunca morri em um acidente de avião com você? — Tossi um pouco.

— Não, meu amor. — Ele acariciou a minha cabeça. — Mas de qualquer forma, foi uma experiência e tanto. Por que você acha que teve um acidente em um avião?

— Meu amor, eu vou contar para você a história da viagem que mudou tudo. Mas antes, liga para o meu chefe e diga que eu me demito, chega de viagens, chega de estresse. Se eu for morrer, que seja de velhice e não em uma viagem de negócios! Também quero uma laranja...


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