Eu deixei de acreditar no amor.

20.8.24

 

Imagem sob licença Creative Commons por RicardoK5768

Sorri fraco, já conformada com as experiências que tive. Havia me resguardado tanto, escolhido tanto e me dedicado tanto só para ter o mesmo resultado uma e outra vez.

Tomei um gole da minha coca gelada, sentindo o gás efervescer a minha alma e a culpa de estar tomando algo com tanto açúcar, algo que eu estava evitando nos últimos tempos. De toda aquela mesa, eu era a nova solteira, todas as outras em uma mistura de casadas, namorando e convivendo.

Tomei outro gole desejando que pudesse tomar um pouco de álcool como uma pessoa normal para não ter que escutar como suas vidas iam de vento em popa, ou pelo menos que pudesse dissociar um pouco.

— É que amar não é fácil. — Uma das minhas amigas deixou escapar no meio da conversa.

Mas deveria ser, não?

Tudo bem que há os seus pontos altos e baixos, relações humanas são complexas, mas o compartilhar com uma pessoa que amamos não deveria ser difícil, construir juntos, se divertir, ter um companheiro ao seu lado para o que der e vier, um apoiando o outro e também saber quando deixar ir.

Sacudi a cabeça percebendo o quanto havia entrado em devaneio. Agucei os ouvidos e o único que desejava era sair daquela mesa levando o hamburguer gourmet sobrestimado para casa e ver algum filme debaixo das cobertas.

Então a vida tão perfeita, já não parecia tão mágica quando uma delas começou a dizer que gostaria de se separar, mas não o fazia porque já estava muito velha para voltar ao “mercado” e não pensava em afastar o filho do pai, porque apesar de ser um péssimo marido, era um bom pai.

Escutei a outra suspirar, dizendo que o seu marido passou por cinco anos de adestramento para ser o que era hoje, mas que isso envolveu muitas brigas e situações nada agradáveis, mas que agora ele se responsabiliza pelos filhos e divide as tarefas de casa.

Logo outra concordou, contando que teve que ameaçar ao namorado para que começasse a fazer as coisas na casa e dividir as tarefas, que não podia ser possível que ele estivesse o dia inteiro jogando no seu Playstation e ela fazendo tudo sozinha para ambos.

— Isso é amor, estar juntos com todos os defeitos e qualidades. — A mais velha do grupo abriu um sorriso com os olhos brilhando, como se estivesse cega por esse “amor”.

— O meu até aprendeu a usar a máquina de lavar, ele vai e lava a roupa. Depois eu vou e penduro, porque ao parecer, ele não tem a capacidade de terminar o trabalho de pendurar e depois dobrar quando estão secas.

Não pude controlar e revirei os olhos, já com o copo vazio e com uma vontade de me meter em um buraco.

— Eu não me separo porque não tenho para onde ir. — Outra comentou rindo. — Quando nos mudamos, eu vendi tudo, teria que comprar tudo de novo e não tenho dinheiro para isso. É mais fácil domar a criança, ele está aprendendo, outro dia até fez o jantar para a gente e me comprou flores.

Outra revirada mais de olhos e dessa vez um copo de sprite light para que a minha nutri não me dê bronca depois.

Revisitei meus relacionamentos passados, percebendo que em alguns deles havia feito o mesmo, me colocado nesse lugar de mãe, de ensinar, ameaçar ou diretamente fazer de tudo pelos dois, enquanto eles não tinham uma preocupação e depois estavam se engraçando para cima de outra.

E quando encontrei um com quem poderia compartilhar igualmente a vida, um que eu não era a “mãe”, ele não soube estar do meu lado em momentos difíceis, não soube lidar emocionalmente e preferiu focar-se na sua carreira do que naquilo que tínhamos.

No final só fica essa sensação de vazio e você pensa em todo o esforço que teve que fazer, no tempo perdido para um outro que nunca quis ser um igual. As feridas e os traumas cada vez maiores, o medo de se vincular novamente e ser usada.

Uma carga mental, física e emocional.

Eles têm tão pouco a perder, porque sempre deram menos... se dedicaram menos... fizeram menos... E eu já perdi muito para dar o pouco que sobrou dentro de mim.

— Eu já não acredito no amor — deixei escapar mais uma vez em um transe, lembrando de como amigas de outro grupo foram deixadas e que não estavam aqui nesse momento para contar. — Não porque eu não queira acreditar, mas o cansaço é tão grande que prefiro poupar meu tempo antes de me envolver em algo que só me trará dor de cabeça. Não quero ter que ensinar ninguém a ser funcional, se eu pude aprender sozinha por que eles não? Não quero ser a mãe a mãe e nem cuidar da vida de alguém da mesma idade que eu. Não quero ser responsável por um outro que nem pode subsistir decentemente sem a presença de uma mulher, essa não é a minha responsabilidade. Eu nem consigo lidar com a minha própria vida, imagine a de outra pessoa.

Não quero alguém que jogue a vida em minhas mãos, que reclame que não cozinhei, limpei ou lavei, quero alguém que possa compartilhar a vida, dividir tarefas, fazer coisas juntos e não que lave as mãos de toda a responsabilidade da convivência.

Se amor é e sacrificar por um outro que se sente na liberdade de me trocar por qualquer rabo de saia ou pelo trabalho, então prefiro não acreditar nele.

— Mas todo mundo sabe que é assim. Meus pais eram iguais, a única coisa que mortificavam divórcio, por isso estão juntos até hoje, mas não se aguentam.

Bufei sem acreditar.

— Nesse caso, eu prefiro estar sozinha e me escolher. — O silêncio se fez na mesa e os olhares estavam sobre mim. — Prefiro dedicar minha vida a mim mesma, nas minhas conquistas, nas minhas coisas. O meu tempo é só meu. Eu quero ser a prioridade e não um homem por aí que não pode nem lavar a própria cueca e quer dar uma de machão em uma empresa. Quer ser o chefão, mas tem a mesma autonomia de uma criança de sete anos... Quero paz e não brigas por uma louça suja não lavada à três dias porque o senhorito tem nojo de comida molhada.

Me venderam uma história bem diferente sobre o que era o amor, era essa a história que eu queria, mas no fim é só isso, quase um mito.

— É pegar ou largar, amiga.

— Sinceramente? Eu prefiro largar e ser livre, não quero estar atada a um peso morto que o único que é capaz de fazer é dar um pouco de prazer físico, uns presentes, toque físico e compartilhar as contas da casa. Isso quando lembram de datas especiais e preparam alguma surpresa, porque alguns nem se dão ao trabalho disso. Agora, se me dão licença, ao invés de ficar reclamando de homem, eu vou para casa.

— Algum dia vai chegar alguém que vai fazer você mudar de ideia.

— Assim espero, mas esse dia não é hoje. Tchau meninas.

Deixei sobre a mesa o valor da comida e das bebidas, arrumei a bolsa sobre o ombro e saí andando um pouco mais leve. Me abracei ao sair do restaurante, porque no fim do dia, sou eu por mim e sei que sou tudo o que tenho no final do dia. 

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