Imagem por ErikDevlies, sob licença Creative Commons. |
Do fundo
da alma escuto algo, um som inaudível para o demais, quase como uma corrente
elétrica misturada em ondas sonoras capaz de mover meus braços e pernas.
Ali eu
era pura. Somente a essência do meu corpo que se movia livremente sobre o piso
de madeira, saltava sendo segurada pela atmosfera. Era alva, cálida e ao mesmo
tempo inexpressiva de rosto, ao contrário do meu corpo que se abria e fechava
em grandes explosões e piruetas.
Desço do
palco eletrificada, com uma ânsia de viver, o sentimento de estar completa que sinto
em meu estômago. Subo as escadas do camarim, um pé atrás do outro, os braços
que balançam em um ritmo constante e escuto um sussurro que eriça a minha pele.
O espelho
estático se encontra com o meu movimento. Parada e ao mesmo tempo com um turbilhão
de movimentos dentro de mim. Sangue pelas veias, coração a mil, células que
dançavam uma com as outras em uma troca energética constante. Esse era o meu
reflexo, o que os outros podiam ver, mas não sentir.
Mexo um
braço e logo o outro, o espelho me segue. Se o toco, quase posso sentir que o
atravesso, mas para onde? Para o outro lado do camarim, em uma vida paralela
que todos somos obrigados a viver.
Os
ritmos aqui são mais duros. Sair por aquela porta implicava movimentos bruscos, brutos e fortes, a coluna completamente ereta.
Uma música poluída pelos sons
dos outros.
Cotovelada
atrás de cotovelada, as pernas rápidas sobre o asfalto da cidade, encontros de
corpos quentes a ponto de explodir. O ombro
dele contra o meu, um pé que pisa o outro, braços que se tocam em um ritmo
constante.
Desculpa.
“Cença”.
Então
passo por uma segunda porta, ali devo ser ágil e flexível. Movimentos rápidos e
repetitivos. O cheiro do café chega a impregnar a nossa pele.
Meneios
de cabeça, o som do roçar de mãos ao cumprimentar, um puxando o outro com braços
esticados, um vaivém constante onde, talvez, alguns queiram subir em você,
escalar cada articulação do seu corpo para chegar mais alto.
O som,
cada vez mais poluído pelos outros, se torna apenas um fio de voz, deixando
minhas pálpebras cada vez mais pesadas, a luta por manter os olhos abertos
implicava que meus dedos fossem fortes o suficiente para segurar o meu rosto
enquanto minhas pernas flutuavam em um estado de eterno estancamento.
Então
escuto o sinal, aquele que me liberta e corro novamente para o espelho,
saltando e esquivando o som mortífero dos outros. Jogo meu corpo no palco,
esperando que a vida volte ao meu corpo e gradativamente eu escuto: o respirar,
meu sangue correndo pelas veias e o palpitar do meu coração.
Aos
poucos o meu corpo se levanta e a eletricidade volta, movendo meus braços e
pernas de maneira delicada, repetindo uma vez mais esta odisseia musical dentro
de mim.