Maquiagem, ah, doce
maquiagem, que pode fazer você parecer com uma princesa (ou a Morticia da Família Addams). Querendo ou não vamos passar por uma fase da treva onde a gente
ACHA que sabe se maquiar, mas no final, só está pagando mico mesmo, e por mico
digo batom no dente, base derretendo e esfumaçado preto que mistura com suor e
vira um cosplay de soco no olho. A parte boa é que você, algum dia da vida, vai
encontrar o estilo perfeito, depois de muitos delineados de gatinhos tortos e
sombra rosa fluorescente.
O primeiro contato com a
maquiagem é geralmente na infância, aqueles batons com cheirinho de fruta e
sombras rosas (que no final do dia você só está com um olho pintado porque
coçou o outro). Mas a era das trevas começa quando você está entrando na adolescência
e quer ousar! (Uii, ousada!). Ousadia que pode resultar nessa coisa feia aqui.
Já sei, vocês querem que
eu vá logo para a história, então aqui vamos, separe um Doritinhos e uma Coca-Cola
(ou água, sei lá, o povo hoje em dia tá mandando todo mundo beber água, então
né... Hidrate-se).
Depois daquele susto do
primeiro dia de aula do sexto ano, eu e a Mirella demoramos um tempo para nos
recuperar da indignação.
Nos olhávamos no espelho todo
dia tentando ver se o nosso corpo tinha mudado como o da Nadine, mas nada,
éramos duas tábuas (a Mirella, eu parecia uma batata mesmo). Sério, até hoje
não entendo como elas pareciam ser três anos mais velha e nós três anos mais
novas do que realmente éramos. Muita injustiça! (Error 404 bundinha not found).
Já estávamos a ponto de
enlouquecer e decidimos que faríamos alguma coisa, sabe, para dar uma mãozinha
na evolução do nosso corpitcho. Então fizemos o que toda garota sonhadora que
quer ter um corpo escultural faz: fomos até uma academia perguntar pelo preço
das aulas (háháháhá, não sei o que eu estava pensando, nem hoje que eu posso eu
faço exercício). Descobrimos que deveríamos ter no mínimo quinze anos para
entrar na academia, ficamos mega bravas e queríamos estrangular o personal
trainer, mas até que foi bom não fazer, se não ficaríamos com o corpo todo
deformado e isso interferiria no nosso crescimento (ficar mais anã do que eu já
sou? Não, obrigada).
Então recorremos ao nosso
plano B, B de beleza! (Ou de bobocas, como preferir). Primeiro tentamos com o nosso
cabelo, eu pedi uma progressiva e a Mirella pediu mechas coloridas, escutamos
um belo de um NÃO que foi como se esmagassem nossos sonhos. Nossos pais
queríamos que fôssemos feias? Era isso? Foi triste, doeu, quis morrer, mas
mentes brilhantes sempre têm uma carta na manga.
Não satisfeitas com isso,
pedimos uma coisa mais simples, participar de uma aula de maquiagem em um bazar
que ficava perto de casa. E por um milagre, deixaram! A gente pulava de
felicidade, finalmente nós iríamos ficar bonitas. Se a Nadine e as amigas
podiam usar maquiagem, por que nós não?
Estávamos muito ansiosas
e levamos nossa mesada para comprar a maquiagem depois da aula (dinheiro que eu
poderia ter gastado com comida!). A senhora que nos ensinou deveria ter lá os
seus sessenta anos, estava bem rebocada e parecia ser profissional (só parecia
mesmo). Como eu e a Mi éramos as únicas adolescentes ali, a moça falou que nos
ensinaria uma maquiagem especial (háháháhá). Começava com uma camada de branco
nos olhos, outra de AZUL/VERDE e outra de preto, depois lápis de olhos, gloss e
blush (muito blush). Às vezes acho que ela fez isso por maldade...
Depois de passar por todo
aquele processo de base e reboco na cara, nós ACHAMOS que estávamos lindas, nos
sentíamos a própria Gisele Bündchen ou até mesmo a Angelina Jolie. Tiramos
altas fotos com nossa câmera fazendo o famoso bico de pato, que nos aproximava
mais do Patinho Feio do que do Cisne.
Então decidimos que
iríamos assim no dia seguinte, acordaríamos cedinho e faríamos essa mesma
maquiagem para sentir-nos bonitas pelo menos uma vez na vida. Mirella
dormiu na minha casa e no dia seguinte fomos juntas para a escola.
Estávamos ansiosas, nos
arrumamos e até tentei dar um jeito no meu cabelo incontrolável com uma trança.
Minha mãe nos encarou assustada e até perguntou se a gente tinha certeza, na
hora eu achei que ela estava assustada com a nossa beleza, mas ela estava
assustada com a nossa cara mesmo.
Assim que colocamos o pé
na escola, todos os olhares se voltaram para a gente, sentia pela primeira vez,
toda a atenção em nós. Foi como aquela cena em câmera lenta, pessoas
cochichavam e apontavam discretamente, a Mirella caminhava com cabelos ao vento
e eu com toda a minha pose de modelo.
— Acho que deu certo! —
Mirella falou animada quando fomos para o nosso lugar no fundão da sala. — Todo
mundo olhou para a gente, devemos estar lindas mesmo.
— Finalmente não somos as
feias e esquisitas da sala.
— Paulina, Mirella! Que
maquiagem divina! — A Falsiane chegou correndo e sentou do nosso lado, estávamos
tão contentes com a nossa maquiagem que nem lembramos que ela mais mentia do
que falava a verdade.
— Você viu? Aprendemos a
fazer ontem com uma maquiadora profissional — comentei com ela que pareceu
segurar a risada.
Ignoramos a existência da
Falsiane quando os outros alunos começaram a chegar, todos eles nos olhavam e
nós duas estávamos nos sentindo tão bem, mas tão bem. Queríamos saber a opinião
do Pedro, mas ele chegaria só depois do lanche porque faria alguns exames, mas
isso não importava, finalmente estávamos lindas.
...
— Vocês vão à alguma
festa de halloween? — Escutei alguns dos meninos bagunceiros dizer lá da frente
da sala, mas é claro que não poderíamos ser nós duas, afinal, estávamos di-vi-nas.
— Acho que estão fazendo
cosplay, um bem ruim por sinal. — Outro menino falou e a Mirella me olhou bem
confusa.
— Li, você acha que estão
falando da gente? — Ela se esticou para ficar mais perto de mim.
— Acho que não, de-deve
ser co-coisa da nossa cabeça mesmo.
— Tanta coisa para fazer
para ficar mais bonita e elas vão usar reboco de palhaça? Deveriam ter depilado
esse bigode, isso sim. — Dessa vez foi a Bárbara, amiga da Nadine, que falou
para os meninos.
— Paulina... — A Mirella
já queria sair correndo para lavar o rosto no banheiro.
— Não, Mi. Vamos ficar e
mostrar que isso não afeta a gente, se sairmos correndo e chorando, vamos ficar
lembradas na história dessa escola. É só a gente sobreviver a esse dia e amanhã
voltamos ao normal como se nada tivesse acontecido.
— Não sei não, Li. Ainda
temos que ir para o intervalo e tem tanta gente lá.
Aí que a cagada estava
feita, todos, mas TODOS mesmo iriam ver a nossa cara pintada. Iríamos pagar um
micasso daqueles e tudo para se sentir mais bonita. Mas eu respirei fundo e
continuei com o meu plano de fazer a Egípcia (melhor ideia que eu pude ter tido
naquela época).
Fomos para o intervalo
como se nada estivesse acontecendo, as pessoas olhavam e comentavam, mas nós mantínhamos
a pose, não daríamos o gostinho do desespero para eles. Não podíamos dar mais
combustível para uma casa que já estava em chamas. Nos fizemos de plena e por
sorte, as pessoas tinham perdido o interesse na gente.
Isso até que o Pedro
chegou correndo e deu um gritinho quando nos viu, estava dando a loka.
— MINHANOSSASENHORA
ninguém avisou que Doritos é para
comer e não para passar na cara?
— Muito obrigada pela
parte que me toca, Pedro — respondi revirando os olhos. Era só o que me
faltava.
— Meninas, o que foi que
aconteceu com vocês? Foi um desafio, um castigo, estão tentando conquistar ou
espantar o crush?
Eu não sabia se ria ou se
chorava naquele momento, toda essa situação era tão bizarra, nós havíamos nos
esforçado tanto para ficar mais bonitas que colocamos reboco até não dar mais
na nossa cara, e no final, estávamos ridículas e seríamos lembradas por causa
disso por algum tempo. ENTÃO NUNCA PASSEM SOMBRA AZUL, NEM VERDE, NEM ROSA
CHOQUE E NEM BATOM LARANJA. (Eu parecia a logo da PBKids).
— Foi um experimento
nosso que deu errado, agora para de zoar a gente Pedro! — A Mirella deu um
tapinha no ombro dele. — Foi tudo ideia da Li, e agora a gente vai continuar assim
até o final do dia. — Senti raios saindo dos olhos dela enquanto me encarava.
— Entendi, melhor se
fazer de desentendida do que descer do salto quinze. Claro, entendo. Mas vocês
deviam ter se olhado no espelho antes de sair de casa.
A única pessoa que não
riu, não apontou o dedo para a gente ou sequer fez comentários maldosos, foi a
Nadine. Nós nunca entendemos o motivo, mas isso fez a gente pensar que talvez
ela pudesse ser uma pessoa legal apesar de ter as amigas que tinha. Quando o dia
terminou, nós estávamos cansadas de ouvir tanta besteira, claro
que ninguém falou na nossa cara, mas sabíamos que era para a gente.
Cheguei em casa e me
tranquei no quarto, chorei e vi todo o rímel escorrer pelo meu rosto, bem
estilo filme dramático. Limpei o rosto sentindo minhas bochechas arderem de
tanto que eu esfregava aquele algodão com demaquilante, mas passou. A raiva e a
vergonha passaram, sempre passam.
No dia seguinte eu
levantei super desanimada para ir para a escola. Não queria ver ninguém, mas
fui mesmo assim. A Mirella não estava com uma cara muito boa, os olhinhos estavam
inchados, como os meus, a diferença é que eu havia passado um pouco de rímel para
disfarçar.
Ninguém pareceu notar a
diferença e nem comentar, estávamos invisíveis de novo e tudo havia voltado ao
normal, isso até que eu senti alguém cutucar o meu ombro quando estávamos
sentados prestando atenção na aula de matemática.
Olhei para trás e lá
estava o Marcos, um dos meninos do grupinho dos bagunceiros. Ele era meu amigo,
ou alguma coisa parecida, a gente conversava porque sempre acabava sentando
perto um do outro, já havíamos feito alguns trabalhos juntos e conversávamos
por internet às vezes sobre alguns jogos e séries.
— Você fica bem mais
legal sem essa maquiagem toda. — Ele falou me surpreendendo.
Eu fiquei roxa, azul, lilás,
turquesa e vermelha naquela hora. Abri um sorriso enorme involuntário. Ele
estava me elogiando!
— Obrigada.
Virei para frente
tentando esconder o sorriso idiota que eu tinha no rosto, as minhas bochechas
queimavam. (Detalhe, ele só falou que eu ficava “legal”, imagine se tivesse
falado “linda”, ai eu morria de vez. Adolescência é estranha mesmo).
No fundo, essa
experiência estranha com a maquiagem valeu à pena, aprendi que tudo o que é em
excesso é ruim, que menos é mais. Que a gente não precisa tentar cobrir aquilo
que acha que é uma falha só para tentar contornar aquilo que somos de verdade.
Você não precisa fazer uma coisa só porque outra pessoa também faz, só tente
ser verdadeiro com você mesmo. E querendo ou não, a adolescência é uma fase
cheia de mudanças e mais cedo ou mais tarde o seu corpo, mente e rosto vai
mudar. Você só tem que aprender a lidar com essas mudanças ou com a lentidão delas.
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